Cicinho Gomes: o poeta do silêncio
Nordeste

Cicinho Gomes: o poeta do silêncio



Gostaria primeiramente de agradecer o poeta Ismael Gaião, que me enviou em primeira mão esse presente. Um cordel sobre Cicinho Gomes: o poeta do silêncio. Durante a semana, irei publicar trechos desse excelente trabalho.

Cordel coletivo com a organização dos poetas:
Ismael Gaião e Dedé Monteiro

O poeta Cicinho Gomes
Cícero Gomes Filho é filho de Cícero Gomes da Cruz e Maria Tereza das Dores. Egipciense do Sítio Caldeirão do Boi, mas tabirense por opção e de coração, desde o final da década de 40. Aqui casou com Ridailda Mascena Gomes, com quem teve quatro filhos: Mozart, Sandro, Sérgio e Gustavo. Fanático por poesia e poeta desde sempre, tanto escrevia bem como improvisava. Muito introvertido e arredio, falava pouco, pensava muito e, nos últimos anos de vida, teve na solidão a sua companheira predileta e inseparável. Faleceu em Tabira, na tarde do dia 11/03/2009.

Alguns dos seus Improvisos

Deixa de Sebastião da Silva:
Eu já vi milionário
Cair, por fim, na pobreza.

Cicinho:
Pode o homem ter riqueza
E cair por consequência.
Depois de ficar sem nada
Precisa ter paciência
Pra que suas próprias mãos
Não tirem sua existência.

Sebastião da Silva:
Entre animais assaltantes
É muito esperta a raposa.

Cicinho:
Animal tem feito coisa
Que muitas vezes estranho:
Num barreiro de água suja
Uma porca toma banho
E ao se coçar na parede
Deixa a marca do tamanho.

Furiba:
Passei a ficar mais triste
Quando mamãe faleceu.

Cicinho:
Depois que mamãe morreu,
Aumentaram meus fracassos.
Se estou dormindo desperto
Parecendo ouvir os passos
Daquela que em muitas noites
Me deu por berço os dois braços.

Mote:
A lua vinha beijando
A linda barra do dia


Num recanto de quintal,

Num cocho de catingueira,

Vi uma vaca leiteira

Lambendo um resto de sal.

O úbere, um manancial

Que nas pernas não cabia.

E enquanto a mesma lambia

O seu bezerro apojando,

A lua vinha beijando

A linda barra do dia.


Mote:
O sofrimento é o dono
Do resto da minha vida


O meu sofrimento é tanto

Que às vezes eu me confundo.

Creio que ninguém no mundo

Dará consolo a meu pranto.

Se pouco almoço, mal janto,

Não há sabor na comida...

Já desgostei da dormida,

Me deito e não sinto sono.

O sofrimento é o dono

Do resto da minha vida


O silêncio de um poeta, fala por ele mesmo
Por Joselito Nunes

Já tinha visto Cicinho, em cantorias aqui pelo Recife, mas não tínhamos muita aproximação. Isso foi numa época em que, Manoel Filó, morava numa casa alpendrada ali no bairro do Hipódromo, que era na verdade uma grande embaixada sertaneja.

Foi quando Zé de Cazuza, criou coragem, pegou na viola e começou a cantar pro lado daqui. Tinha um negão, de Camaragibe, tinha Seu Nozinho do ferro velho, em Campo Grande e outros mais que agora não lembro, que eram grandes promotores de cantoria.

Nessa ocasião eu conheci Urbano Lima, com quem freqüentei todos esses lugares. Nessa época a cantoria era muito prestigiada por aqui. Pinto, Lourival e Xudu ainda eram vivos e foi não foi, estavam cantando no Recife.

Então eu via Cicinho, um sujeito calado magro e moreno com um cabelo preto e muito fino, andando na companhia do mestre Ivo Mascena. Mas eu por ser novato, não sabia do poeta que estava ali a nos observar a todos, como fazem sempre os que abraçam essa difícil e penosa arte, (todos os que são condenados a viverem e morrerem por ela).

Só muito tempo depois, é que me aproximei desse pequeno grande homem, inclusive através de uma glosa sua, que me foi passada por Antônio de Catarina, em cima do tema, "o que eu admiro":

“Eu admiro o cancão
Na cabeça de uma estaca:
Olha pra baixo e pra cima
Acuando a jararaca,
Como quem diz: "ah meu Deus,
Ah se seu tivesse uma faca!..."

Esses versos calaram em mim, não só pela perfeição de rima e métrica, mas pelo retrato em preto e branco, ali diante dos olhos.

Eu que nasci e vivi toda minha infância e adolescência na caatinga, assisti muitas vezes à perseguição tenaz, da cobra venenosa, pelo cancão, ela rastejando indiferente à sua ira e ele em cima de marmeleiros e caatingas brancas, procurando a todo custo e desarmado, defender os da sua espécie.

A serpente representava o inimigo que ele não podia matar, mas enquanto a sua voz saísse da garganta, ele resistia. Havia um ostensivo sentimento de indignação, na atitude do cancão, que pouco podia fazer além de, com o seu trinado insistente, procurar denunciar a presença de um inimigo perigoso.

Esses versos de Cicinho, indiquei para uma antologia organizada por João Veiga, Luiz Carlos Diniz e Evilácio Feitosa, que se chamou O QUE EU ADMIRO, uma das melhores publicações de 2008.

Tive vontade de procurar Cicinho depois, pra gente discutir esse tema, pois eu percebia claramente naqueles versos simplórios e profundos, um grito de indignação contra as injustiças sociais ainda tão contundentes na nossa nação nordestina, mesmo depois da virada do século.

Sempre o grande e poderoso sobre o pequeno e mais fraco. Mas não deu tempo, até por que a gente se acostumou a pensar que os poetas jamais vão nos deixar e vai deixando eles no lugar onde sempre estiveram, ou seja: ao largo da nossa lembrança.

Acho que com a morte do poeta, só quem vai ganhar nessa história é Deus. Porque Cicinho vai, com certeza, pro céu.



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