Comadre Florzinha, o romance da Serra das Flechas
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Comadre Florzinha, o romance da Serra das Flechas


Um homem da cidade perambulando na mata é sempre suspeito, principalmente se não levar uma espingarda ou qualquer outro aparato da prática extrativista. Este homem é um jovem advogado, recém formado, que sai de João Pessoa nos idos dos anos 50 para se embrenhar no interior da Paraíba em busca de pesquisar arqueologia e seu destino o leva a selvagem serra das Flechas, no interior do município de Pedra Lavrada.

Enquanto o pesquisador dorme calmamente em sua rede de campana, uma filha da mata, de olhos luzentes, crescidos de assombro e fiel a todos seus instintos, fita curiosa o misterioso homem, se saber determinar-lhe os objetivos. Para a bela e lendária Comadre Florzinha, se trata de uma imagem nova na noite selvagem, inédita em suas reminiscências mentais, que se apresenta como sedução irresistível para um processo dedutivo de assimilação.

A duende, ao vê-lo acordar, questiona intrigada sobre suas intenções em sua floresta. E assim, se desenrola um instigante romance entre estas criaturas, tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas, nas brenhas da caatinga paraibana.

Este é o enredo do cordel "Coamadre Florzinha, o romance da Serra das Flechas", folheto de 133 setilhas poéticas em rimas toantes alternadas de autoria do historiador-poeta Vanderley de Brito, de Campina Grande-PB e é uma adaptação romântica para decantar este mito sertanejo do interior paraibano. Um cordel que, além de divertir, educar e resgatar uma tradição, como é característico de gênero literário, também provoca emoções e desperta desejos.

Numa mistura de ficção e realidade, o autor leva seu personagem a passear pela geografia paraibana e utiliza fatos históricos para que seu romance se enquadre num contexto temporal e físico da História e, com uma habilidade incrível, cria cenários pitorescos envolvendo fauna e flora do semi-árido seridoense.

Na visão deste historiador, a Comadre Florzinha, além de ser uma defensora ferrenha do ecossistema, é também uma fêmea, e como tal, sujeita a um amor fulminante e aos desejos e palpitações que o sexo desperta. Acostumada a surrar cães e seres humanos brutos e transgressores das leis da mata, ela encontra no pesquisador um homem compreensivo e cúmplice no desejo de manter a integridade dos animais e da flora silvestre.

Daí, enquanto o estudioso se mantém em sua catalogação científica, eles se encontram diariamente, nas noites frias da caatinga, para demoradas conversas sobre o meio-ambiente, suas belezas, mistérios e, principalmente, sobre a forma que o processo contínuo e avassalador de degradação ambiental está em processo. Esta afinidade ideológica acaba por se desfechar numa paixão proibida entre a entidade mística e o homem da ciência.

O texto poético vai se tornando mais saboroso quando se iniciam os preâmbulos da conquista, aperitivos de uma necessidade de excitação á junção conubial que é, imagino, inevitável entre este casal nos esmos da mata odorífica do sertão.

O cordel faz parte da série arqueológica, idealizada pelo autor, e é a quarta publicação do gênero da Sociedade Paraibana de Arqueologia. Já está disponível nas bancas de revenda e vem sendo muito elogiado pela crítica literária, até aqueles mais ortodoxos estão aplaudindo as inovações que Vanderley vem trazendo à literatura de cordel.

O trabalho, apesar de lidar com tema sertanejo e, às vezes, trazer a linguagem coloquial do meio rural, é deliciosamente erudito. Citando autores clássicos como Camões, Augusto dos Anjos, Ariano Suassuna, Clotilde Tavares e Câmara Cascudo, numa poesia métrica rebuscada, que é uma de suas marcas registradas de Vanderley de Brito. Este poeta-historiador, desde seu primeiro trabalho pretende restaurar a evidência do gênero trazendo-o para o academicismo, pois, segundo afirma:

“O cordel perdeu sua característica de jornal do sertão, pois o matuto não mais lê cordel, agora ele vê televisão. Quem lê é o erudito e, por isso, é necessário que o cordel se adapte às exigências de quem aprecia a boa literatura”.


O autor também afirma que não está descaracterizando a Caipora, pois, segundo suas perspectivas, a Comadre Florzinha só é vista como uma assombração zombeteira e cruel pelos homens rurais, pois são estes os principais interessados em subtrair da floresta a lenha e a caça e, naturalmente, estes são também os que sofrem os rigores da ira da duende. “Se olharmos por outro prisma, a Comadre Florzinha é uma defensora das matas, uma ecologista ativa. Portanto, uma entidade do bem”.

Autor: Vanderley de Brito




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