A literatura de cordel no Pará
Nordeste

A literatura de cordel no Pará


por Geraldo Neto

Quando se fala em literatura de cordel a primeira referência que temos é o Nordeste. Logo lembramos os repentistas nordestinos cantando poemas com personagens e temas do Nordeste, como Lampião, Antônio Conselheiro, Antônio Silvino, Padre Cícero, a seca, o cangaço, a guerra de Canudos. Mas o que muitas pessoas desconhecem é que o cordel também se manifestou em outros lugares do Brasil, incorporando novos temas e olhares. Um desses lugares é o Pará, que teve na primeira metade do século XX uma das maiores editoras de folhetos do Brasil, a editora Guajarina.

A tradição do cordel chega ao Pará com a migração nordestina no período do auge da economia da borracha (1870 - 1910). Muitos nordestinos vinham para a Amazônia fugindo da seca e com a perspectiva de enriquecimento com a extração do látex, matéria-prima da borracha. A migração traz também tradições e valores culturais do Nordeste, como as histórias contadas em versos. Essa tradição oral se expande pela Amazônia, principalmente nos grandes núcleos de imigrantes nordestinos, que no Pará se fixavam principalmente no nordeste paraense, na chamada zona bragantina.

Em 1914 o pernambucano Francisco Lopes cria a editora Guajarina para a difusão da literatura de cordel. Os folhetos da Guajarina tiveram grande aceitação, visto que a tradição oral já estava enraizada, tanto a poesia já tradicional da Amazônia, quanto a poesia nordestina. Além de publicar folhetos de poetas famosos do Nordeste, como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Firmino Teixeira do Amaral e Tadeu Serpa Martins, muitos dos quais sem a autorização de seus autores, a Guajarina publicava folhetos de poetas paraenses e de nordestinos radicados no Pará, como Zé Vicente, Ernesto Vera, Mangerona-Assu, Apolinário de Souza e Arinos de Belém.

Uma particularidade dos poetas paraenses é que, ao contrário dos nordestinos, eles utilizavam pseudônimos. Zé Vicente era o pseudônimo de Lindolfo Mesquita; Ernesto Vera, de Ernani Vieira; Mangerona-Assu, de Romeu Mariz; Arinos de Belém, de José Esteves. A razão disso é que esses poetas, diferentemente dos poetas do Nordeste, não viviam exclusivamente da produção dos folhetos de cordel. O caso mais significativo é o de Zé Vicente. Lindolfo Mesquita era um conhecido jornalista que trabalhou nos jornais Folha do Norte e O Estado do Pará. Durante o Estado Novo foi prefeito da cidade de Vigia e diretor do DEIP (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda). Já Romeu Mariz, além de jornalista, era membro da Academia Paraense de Letras. Como o cordel era mais identificado com as classes populares, esses poetas não queriam que seus verdadeiros nomes fossem associados às classes mais baixas. Contudo, eles assimilaram o modelo da escrita com a linguagem popular em versos e produziram folhetos de muito sucesso.

Além dos temas nordestinos, que tinham grande aceitação, principalmente as histórias sobre Lampião, os folhetos da Guajarina traziam temas locais como o Círio de Nazaré, a interventoria de Magalhães Barata, a vida do seringueiro, e os crimes de grande repercussão. Também devemos acrescentar os folhetos com temas nacionais e internacionais, destacando os folhetos sobre a Revolução de 1930, o Estado Novo, e a Segunda Guerra Mundial. Os folhetos eram verdadeiros jornais populares, informando sobretudo a população das camadas mais baixas, que não tinham acesso aos jornais ou ao rádio.

A Guajarina se localizava em Belém, mas ela tinha uma extensa rede de revendedores: no interior do Pará, em cidades como Santarém e Marabá; na região amazônica, em cidades como Manaus e Rio Branco; e até mesmo no Nordeste, principal centro irradiador da literatura de cordel, em cidades como São Luís, Fortaleza, Teresina, Natal, Juazeiro e Campina Grande. O fato dos folhetos da Guajarina circularem no Nordeste demonstra o sucesso que essa editora teve na primeira metade do século XX.

A editora Guajarina fechou em 1949. Desde então, o Pará não teve outra editora de folhetos de cordel com o mesmo destaque. Apesar disso, os poetas paraenses continuaram a produzir folhetos, muitos de maneira independente. Outros temas passaram a ser abordados como a Ditadura Militar, os conflitos agrários na Amazônia, a morte de Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves, a construção da Transamazônica, a visita do Papa João Paulo II, a corrida do ouro em Serra Pelada, a inflação no governo Sarney, a eleição de Fernando Collor, a morte da missionária Dorothy Stang. Entre os poetas que produzem folhetos de forma independente hoje, temos Antônio Juraci Siqueira, Apolo de Caratateua, João de Castro, Manoel Ilson Feitosa, Paulo Melo, João Bahia.

Geraldo Magella de Menezes Neto. Graduando em História pela UFPA, bolsista do projeto de pesquisa Literatura de cordel e experiências culturais em Belém do Pará nas primeiras décadas do século XX, coordenado pela Prof. Dra. Franciane Gama Lacerda.

Fonte: ABLC




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